O que se comemora no Dia do Folclore?
A história e a importância do Dia do Folclore, comemorado em 22 de agosto
O ano é 1965, em plena Ditadura Militar, o presidente Castelo Branco assina o decreto instituindo 22 de agosto como o Dia do Folclore em todo território nacional. Paradoxalmente, pouco mais de um ano antes, em primeiro de abril, ainda no calor do golpe, o prédio da Comissão de Defesa do Folclore Brasileiro era fechado com um cartaz com os dizeres: “fechado por ser um antro de comunistas”. Conquistas de anos de estudos, sistematização e árdua articulação na defesa de patrimônios culturais nacionais foram brevemente paralisadas.
O dia 22 de agosto, que hoje é celebrado em diversos países, remonta a publicação, em 1846, da carta de autoria do arqueólogo inglês William John Thomas intitulada “Folk-lore” no periódico Athenaeum, uma revista literária semanal com ampla distribuição e especial influência durante período vitoriano na Inglaterra. Na carta o escritor, antiquário e bibliotecário da Câmara dos Lordes em Londres, Thomas, usando o pseudônimo Ambrose Merton, criou um neologismo na fusão dos termos folk que em inglês significa povo e lore que significa conhecimento, para o que até então vinha sendo definido insatisfatoriamente como "antiguidades populares". A carta já manifestava a ampliação que o termo representava no sentido de abarcar os diversos saberes e mitologias populares. Bem como revelava a necessidade da preservação dessas criações culturais uma vez que muito deste conhecimento é transmitido oralmente e sofre ameaças permanentes de mutação e deterioração. Depois de breve resistência inicial o termo ganhou espaço e foi amplamente adotado.
No Brasil, nossa formação étnica a partir dos índios da terra, do colonizador português, e dos africanos escravizados deu origem a um rico folclore plural, diversificado e regionalizado. As lendas, mitos, canções, crendices, adivinhas, fábulas e provérbios estão estritamente ligados à ocupação geográfica dos povos originários, aos ciclos econômicos de colonização e dominação portuguesa, e dos movimentos de resistência, assimilação e ressignificação dos povos escravizados. A dinâmica entre esses processos, povos e a geografia do país não é estática, o que ainda confere ao folclore nacional um caráter de fusão e construção permanente.
Desse caldeirão cultural surgiram personagens míticos difundidos pelo país e outros mais conhecidos regionalmente, tais como o Saci-Pererê, o Curupira, Boitatá, Mula-sem-cabeça, o Boto, a Iara e o Negrinho do Pastoreio. Experimentamos também uma incrível profusão de manifestações culturais que vão das Folias, Reisados, Congadas, Catiras, Bumba-meu-boi, Maracatu, Frevo ao Samba e as Festas Juninas. Não menos diversas são as várias crenças, superstições e jargões populares difundidas pelo país.
Os esforços para estudar o folclore brasileiro vêm sendo realizados desde o final do século XIX, embalados pelo movimento do Romantismo e suas tentativas de ressaltar elementos da cultura nacional. Entretanto os estudos sistemáticos só se consolidaram nas primeiras décadas do século XX, reforçados pelas influências ufanistas do movimento Modernista. Destacam-se a partir deste período pesquisadores como Mário de Andrade, Luís da Câmara Cascudo, Edison Carneiro, Florestan Fernandes e Gilberto Freyre.
Ao final da Segunda Guerra Mundial o folclore passou a ser visto com elemento de congregação dos povos, incentivando o respeito às diferenças e proporcionando a construção de identidades. Nesse contexto o movimento folclorista nacional conseguiu a influenciar na criação da Comissão Nacional de Folclore vinculada ao Ministério da Educação e à UNESCO em 1947.
Durante o I Congresso Brasileiro de Folclore em 1951 no Rio de Janeiro, que contou com a presença do então presidente Getúlio Vargas, foi gestado o documento que ficou conhecido como a Carta do Folclore Brasileiro, que definiu conceitos e tratava das recomendações de pesquisa, proteção e divulgação a respeito do folclore nacional. Desde então os estudos e sistematizações se ampliaram aprofundando debates antropológicos e sociais.
Atualmente, depois de muitos avanços e outros tantos reveses, o reconhecimento do direito da população praticar suas manifestações culturais, e a importância da difusão e preservação do folclore foi contemplado na Constituição Brasileira de 1988. Nada mais coerente, para aquela que ficou conhecida como Constituição Cidadã: fortalecer práticas culturais que ajudam a construir um senso de identidade e pertencimento, ao mesmo tempo em que promove o respeito à diversidade cultural. Entretanto, leis são convenções que podem ser facilmente contaminadas por lógicas políticas momentâneas e imediatistas, que são muito distintas da dinâmica real do verdadeiro folclore. Este costuma ter origem anônima, transmissão oral, popularização coletiva e surge espontaneamente. Ao contrário de datas comemorativas que podem ser criadas por decretos políticos.
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Daniel Arantes Pereira, 43, é natural de Cássia, no Sul de Minas, e reside em São
João del Rei há 7 anos, onde estuda Comunicação Social - Jornalismo na UFSJ.
Cientista de alimentos e fotografo amador, é fascinado pelas tradições e
manifestações culturais do povo brasileiro. Através do Programa de Extensão “Por
Outro Olhar” encontrou oportunidade de partilhar seu ponto de vista sobre temas de
sua vivência.
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