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Maiara Sousa

E se descobrirem que eu não sou tão boa assim?

A Síndrome do Impostor ainda é desconhecida por muitos, e as mulheres são as que mais sofrem com o sentimento de não estarem à altura de suas conquistas. Mas como isso se dá dentro do ambiente universitário?


(Divulgação/John Diez/Pexels)


Você já travou? Literalmente travou antes de uma apresentação porque alguma voz na sua cabeça, forte o suficiente, te fez lembrar que o seu lugar não era ali? A exposição do seu trabalho ou da sua fala deixariam muito claro que você não sabe o que está fazendo, ainda que você saiba perfeitamente?


Lara Giarola, estudante do oitavo período do curso de História da Universidade Federal de São João del-Rei, sabe bem como esse sentimento pode se manifestar, muito antes da entrada na graduação. Ainda no Ensino Médio, a angústia do sentimento de estar sempre um pé atrás se manifestou, principalmente, ao sair da escola pública e se inserir em um colégio militar. Os anos seguintes, seguidos pela saúde mental e a fase do vestibular se tornaram uma bomba de auto cobrança: “Minha única expectativa de vida era entrar em uma universidade. Se eu não conseguisse algo assim, era como se eu tivesse fracassado na minha vida e eu podia desistir”.


A primeira aprovação no vestibular chegou, Lara Giarola, mulher negra, foi a primeira da família a entrar na universidade, mas ainda nessa época não existiam possibilidades financeiras que tornavam possível seu ingresso. Anos depois, já na UFSJ, o choque do primeiro período começou a pegar: “Eu fui vendo que na vida acadêmica a gente precisa de mais (…) e aí que eu comecei a me cobrar extremamente. Eu comecei a perceber que eu era uma das poucas pessoas pretas na sala de aula, comecei a entender melhor as questões de raça e de gênero dentro da universidade. E aí já comecei a me sentir menosprezada, academicamente falando, por ser mulher e por ser preta. Sentindo que eu tinha que falar mais forte e mais alto para eu ser ouvida, sabe? (...) Eu sentia que todo mundo ali era muito inteligente e que eu tinha vindo com uma carga de analfabetismo funcional, que eu tive uma educação péssima e mal sabia ler, escrever e interpretar. E, “cara”, eu tirei 920 na redação do ENEM. Como eu tenho coragem de falar isso de mim mesma?”.


Lara Giarola, estudante da UFSJ

(Reprodução/Lara Giarola)


Mais do que uma insegurança, a Síndrome do Impostor te faz acreditar que independente de qualquer bagagem sempre existirá um fator de sorte para explicá-lo, misturado muitas vezes a comparação com a trajetória do outro. Foi assim também com Deborah Vieira, Jornalista graduada pela UFSJ, doutoranda e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora.


A docente lembra dos sentimentos que algumas vezes se manifestaram pela comparação com outras trajetórias: “É muito complicado a gente lidar com isso ainda na graduação, porque são realidades diferentes, trajetórias diferentes e eu acho que isso fica muito pior, por exemplo, na pós-graduação, porque afunila ainda mais, né? Você vê realmente a diferença, por exemplo, da pessoa que tem um curso de línguas, de uma pessoa que fez uma viagem pro exterior para intercâmbio, e às vezes você não teve essa condição e tudo isso afeta muito a gente emocionalmente”.


Mesmo que tenha sido feito um esforço notório, essa autopercepção distorcida que o indivíduo sente, atribui seu alto desempenho a qualquer outro fator externo que exclua completamente o real motivo: a sua própria dedicação e a sua qualificação. O próprio sucesso é quase uma ilusão. Talvez eu tenha enganado as pessoas envolvidas e apresentado habilidades que na verdade não me pertencem. E claro, em algum momento irão descobrir que eu não sou tão boa assim. E se por acaso, eu atingir um prestígio, provavelmente, eu não vou conseguir me sair tão bem novamente. As próprias expectativas a serem superadas sempre estão no alto, e pasmem: você nunca sente que chegou lá!


“Comecei a correr atrás desse prejuízo, para chegar na aula e eu saber o básico, porque eu achava que eu não sabia o básico. Chegava a hora de apresentar trabalho e eu tinha crises de ansiedade, eu me sabotava demais e eu sabia a matéria toda. Eu sabia a matéria (...), eu sempre fui muito boa em falar, apresentar seminários, dar aulas. Eu sempre gostei. Mas até chegar o momento de falar eu crio uma guerra interna comigo mesma e eu digo pra mim que as pessoas vão me julgar. Eu sinto que eu não me encaixo, que não é pra mim” - Lara Giarola.


Deborah Vieira, docente da UFSJ

(Reprodução/Jéssica Seghatt)


Déborah Vieira começou a lecionar no início do ano de 2021 na Universidade Federal de São João del-Rei. Ela relatou que o começo da docência foi o período mais difícil: “Foi justamente nesse momento que eu descobri o que era realmente Síndrome do Impostor e aflorou de uma forma que eu não esperava. Até por eu ser uma pessoa muito ansiosa, foi muito complicado. Eu fiquei pensando na responsabilidade: agora eu tenho que passar conteúdo para outras pessoas, formar outras pessoas, será que eu tô preparada para isso? Será que eu tenho todo o conteúdo para conseguir fazer isso da melhor forma? Eu acho que foi um dos momentos mais difíceis, tem sido, na verdade. Claro que a gente vai ficando mais confortável pela experiência, com o apoio dos alunos e dos colegas de trabalho. Mas a sensação ainda continua e aí é aprender a lidar com isso, fazer acompanhamento terapêutico para gente conseguir entender que a gente tá no nosso lugar. A gente não tá ocupando esse lugar por acaso, a gente se esforçou para isso e enxergar isso é difícil, principalmente quando você chega na docência e vê os seus colegas com super currículos, professores que foram os seus professores. Foi o período mais difícil para lidar”.


Apesar de não ser uma doença reconhecida oficialmente pela Organização Mundial de Saúde, o sentimento de ser uma fraude recebeu o nome de "Síndrome do Impostor”, pela primeira vez, em 1978, pelas psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes. E desde então, o assunto ganhou notoriedade de estudo e é entendida como uma desordem psicológica. Muitas vezes, a síndrome ainda pode se misturar com outras questões psicológicas como a ansiedade e a crise de pânico, e intensificar ainda mais o sofrimento. Somado a isso, gênero e raça também são recortes que pesam. Mulheres e pretos sofrem constantemente com as posições sociais impostas a eles.


“Quando a gente já é um grupo estigmatizado e que já é olhado com espaços que são (pré julgados) para gente ocupar, em grupo minorizados de uma forma geral, a gente tem que se doar o dobro, errar o menos possível e o menor erro já vai ser motivo de grandes consequências, diferentes de outros grupos. Então já tem essa questão” - Deborah Vieira.


Durante sua trajetória acadêmica e o seu trabalho dentro dos projetos de extensão, Lara Giarola entrou em contato com esse sentimento: “No PIBID tinham muitas mulheres, a maioria esmagadora de mulheres. De mulheres brancas. Tinham três mulheres pretas. Eu sempre me esforçava o dobro, o triplo, para sentir que eu estava no patamar delas e muito no inconsciente mesmo. Quando essa mulher branca começa a falar e eu percebo que ela tem um histórico de conhecimento que talvez eu não tenha tido, eu fico me colocando pra baixo, achando que a vida acadêmica não é pra mim, que eu não sou capaz e fica um looping de coisas que eu não fiz (...) “Eu olho minha trajetória no PIBID, na Residência pedagógica, no Cursinho e eu falo: “eu sou foda, sou professora, sou boa nisso”. Mas não é fácil. Eu sinto que eu tenho que estudar e me posicionar 3x mais que uma pessoa branca”.


O contexto em que esse indivíduo está inserido são grandes potenciais de melhora ou piora desses sentimentos. Hoje, fora do ambiente da graduação e dentro do mestrado, Déborah Vieira fala sobre como as relações criadas nesses espaços podem, em contramão, ajudar no processo da comparação e da insegurança: “Eu tive pessoas que me incentivaram e me ajudaram muito. Acreditaram em mim mais do que eu mesma e isso também me ajudou a não paralisar nesses momentos que eu fui posta a prova (...) isso foi muito importante para eu não paralisar de algum jeito. Quando a gente forma a gente fica meio perdido, para onde vai, o que vai fazer. Você vai vendo as pessoas conquistando o seu espaço e às vezes você vai ficando um pouco para trás e isso vai te dando um desespero. Essa rede de apoio ajuda demais”.


Segundo os dados de 2019, do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários Estudantis (FONAPRACE), 83,5% dos estudantes das universidades federais do país tinham dificuldades psicológicas que interferem na vida acadêmica: 11,1% faziam tratamento psicológico, 63,7% nunca procuraram atendimento psicológico e 7,5% tomavam medicação psiquiátrica.


Na vida universitária, a ansiedade se constrói como um sentimento corriqueiro e comum. Mas quando fora do controle e recorrente, o medo de não dar conta, entender o seu desempenho como inferior aos demais e atribuir suas conquistas à sorte, além de ser injusto com si mesmo, é um sofrimento que pode atrapalhar sua trajetória e as escolhas feitas durante esse processo. Para além das questões acadêmicas, a dupla jornada e as especificidades de cada estudante são agravantes que aumentam as preocupações e a insegurança pessoal.

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